Alunos da Faetec Bangu participam de seminário sobre culinária e ancestralidade


Afrobrasilidade na Gastronomia aconteceu nos dias 03 e 04 de outubro,  discutindo a importância da culinária ancestral praticada nos quilombos e terreiros de axé

Os saberes e técnicas orais que fundamentaram a base da culinária brasileira ganharam espaço no seminário Afrobrasilidade, promovido pela unidade em Bangu da Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec). Realizadas nos dias 04 e 05 de outubro, as atividades envolveram rodas de conversa com diferentes personagens que estudam a fundo a relação entre a comida e as heranças culturais e afetivas, legado dos ancestrais indígenas e negros que compõem a identidade brasileira.

“O Afrobrasilidade é um projeto cujo objetivo é trazer à cena uma contribuição que foi apagada e silenciada na formação da cozinha brasileira, isso nos currículos de gastronomia. Esses saberes precisam estar nos espaços formais de conhecimento, para que a gente entenda de fato, que a contribuição africana para a cozinha brasileira foi extremamente relevante, não só em termos de ingredientes, mas também em tecnologias sociais. Queremos trazer essa experiência que existe dentro dos quilombos e do terreiro, ali tudo tem significado, está na essência deles. Nesses espaços, a comida é sagrada”, diz Danielle Theodoro, uma das curadoras do evento.

Organizado pelo professor Tiago Garcia, o seminário foi permeado por rodas de conversas e aulas práticas sobre os temas. Na primeira etapa da ação, os alunos mergulharam no universo quilombola, com palestra sobre a culinária e a sabedoria dos quintais. A roda de conversa foi conduzida por Magno Rosa, profissional da Emater - Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Rio de Janeiro, responsável por fomentar a agricultura familiar a partir do acompanhamento técnico e capacitação dos agricultores, e por Vanessa Medeiros, profissional da UFRJ. Além da palestra, os alunos do curso puderam também, participar da oficina sobre plantas alimentícias na gastronomia, usando a taioba com um dos exemplos de receitas que podem ser aplicadas dentro de um cardápio saudável e saboroso.

O segundo dia de atividades foi voltado para os ensinamentos herdados pela ancestralidade africana. A “comida de terreiro” foi desvendada com toda a sua simbologia com palestra e oficina prática do babalorixá Marcos de Logunedè, responsável pelo Ilê Axé Omom Aladê, em Magé, na Baixada Fluminense. Para mergulhar neste universo, que conecta a gastronomia com os orixás, o cheff Tiago Garcia participou previamente de uma imersão com o sacerdote, para conhecer um pouco mais a relação entre o alimento e a religiosidade presente nas mesas africanas.

“A comida é o momento de comunhão, então há muito do sagrado neste ato. Temos um legado que nos foi trazido pelos africanos aqui escravizados, que nos proporciona uma riqueza cultural, especialmente na gastronomia com pratos que tornaram-se referências da nossa culinária. É importante para os nossos futuros cheffs saber a origem desses pratos e o significado que eles carregam dessa herança importante que os africanos nos deixaram. Conseguimos, além de ensinar, ressignificar alguns mitos, derrubar preconceitos, quebrar tabus, levar os ancestrais, um povo esquecido, para outras culturas, e nada melhor através da educação, do conhecimento, construir essa narrativa.

Coube ao sacerdote Marcos de Logunedè apresentar a conexão da cozinha ancestral e os orixás, apresentando um pouco dos ingredientes usados em pratos como o vatapá, acarajé, cocada e o acaçá.

“A culinária africana, é uma culinária de resistência e essa é uma oportunidade importante de desmistificar um pouco esses pré-conceitos que vêm junto com cada prato. Queremos mostrar essa cultura que veio da África, do povo Iorubá, que através dessas comidas conseguiram sua alforria. Essa comida tem um significado de resistência, de amor pelo próximo, que aos olhos de alguns não tem muita importância, mas para o povo preto é uma comida muito rica”, diz Marcos.

Nas aulas práticas, os alunos aprenderam os segredos da preparação do acarajé, tradicional prato africano oferecido ao orixá iansã, e o acaçá, que pode ser servido em uma trouxinha de folha de bananeira.

“Eu achei super importante esses dois dias de oficinas, nós aprendemos muito e foram informações muito importantes para todos nós que queremos seguir na profissão. Independente da religião de cada um, o que vimos aqui foi cultura, informação e muito aprendizado. Em vários momentos eu me vi de volta à minha infância, com receitas que minha avó fazia, então eu trouxe uma memória afetiva e também um ensinamento precioso que é o aproveitamento dos alimentos, a história desses pratos”, diz  Romilda Reis, aluna do curso de salgadeiro.

A gestora da Faetec Bangu, Helena dos Santos Tavares, explicou como surgiu a ideia dessa vivência.

“Esse é um laboratório de pesquisa que é uma continuação das aulas que fizemos sobre Pancs (Plantas Alimentícias Não Convencionais) com a professora Daniele, do curso de Confeitaria. Ela trouxe o resgate dessa comida natural, dessas ervas no canteiro de horta na unidade. Com isso, resolvemos fazer essa vivência para conhecer um pouco mais sobre essa culinária e levar para a sala de aula”, revelou a gestora.

Conheça cada prato produzido durante o evento:

Vatapá – Pão adormecido com leite, camarão seco, castanha de caju, amendoim, azeite de dendê e pimenta, servido com peixe e frutos do mar.

Abará - Bolinho com massa de feijão fradinho temperada com pimenta, sal, cebola e azeite de dendê. O prato ainda conta com camarão seco moído e misturado à massa, que é embrulhada em folha de bananeira e cozida em água.

Acarajé - Bolo de feijão fradinho temperado, sal, cebola, frito com azeite de dendê.

Acaçá doce - Bolinho de farinha de canjica e leite de coco, envolvido em folhas verdes de bananeira.

Aluá – Bebida à base de gengibre, rapadura e milho fermentado.

A Faetec Bangu, na Zona Oeste do Rio, é um polo voltado para cursos de Qualificação Profissional nas áreas de Gastronomia, Hotelaria, Idiomas e Informática. Alguns dos cursos oferecidos pela unidade são de Confeiteiro, Cozinheiro, Salgadeiro, Padeiro, Bartender, Camareira e Garçom.